Caros vivos: o peso em vossa consciência
O velho rabugento o torna suportável;
Deixai que um derradeiro espectro apareça:
Sou o fantasma do finado Capitao Alving.
Silenciado e sufocado por meu passado
Tal como o cavaleiro sujo e dissoluto,
Me esforço pra poder subir até o tablado
E ali dar voz a uma opinião que guardo há muito.
Em termos de trocar casórios por velórios
Ninguém melhor que o Pastor Manders. O fato
É que eu, que nao sou pato em jogo de avelórios,
Deixo que a gansa dê prum ganso qualquer trato.
Minha mulher me deu um rebento bichado
E nossa criada teve uma bisca robusta;
Teu nome é alegria, ó Paternidade –
Mas só quando se sabe quem gerou os frutos.
Que fui o genitor dos dois é o que as mulheres
Me juram de pés juntos. Diz pra mim, ó Fado,
Se é que tu podes, ou então se é que tu queres,
Por que é que ela nasceu sadia e ele estragado.
Olaf pode arrastar-se em pedregosa senda
E ter vida tão casta quanto a de Suzana,
Mas também pode, em alguma sauna horrenda,
Vir a pegar seu quantum est de Pox Romana.
Mas Haakon erra em meio às rosas de sua via;
Assim, na farra, enchendo a cara, ele caminha,
E acaba com um sorriso em seu último dia
Sem que se veja em seu nariz nenhuma espinha.
Receio e não compreendo coisas tais como estas,
Mas se eu pintei e bordei como um perfeito louco,
Lembrai como uma criada de roupas modestas
Conhece sempre um jeito de nos dar o troco.
Quanto mais tremo e tomo duma jarra grande
Meu ponche espirituoso à meia-noite, mais
Eu me inquieto, mais me indago por que o Manders
Jantava tanto em nossa casa anos atrás.
A vikings – que afundavam barcos – tais como eu,
Jamais importa o que é culpado do delito,
Seja a ACM, uma DV, uma TB
Ou então o capitão de um porto lá no Egito.
Culpai o mundo e não culpai ninguém – o engodo
Da puta, as ansias dum amante, censurai;
Porém, acima de tudo, curai a todos;
Não pergunteis se este pecou ou se seu pai.
A choupana está em chamas. O biltre fingido,
O carpinteiro, induziu o padre em logro.
Se eles tivessem, como eu, umedecido
A pólvora, nunca teria havido fogo,
E se eu jamais tivesse sido tal e qual
Eu fui – debil, dissipador e dissoluto,
Nunca teria havido aplauso universal,
E a gente ficaria em casa sem assunto.
Joyce assistira a uma montagem de Espectros no Theatre des Champs Elysées em Paris antes de partir para a Suíça. Numa viagem de trem um mês depois, escreveu esse poema. Posteriormente, ao considerá-lo autobiográfico, pediu a Gorman que o publicasse em sua biografia, juntamente com a seguinte observação, que ele ditou ao biógrafo: "lsso (que é de fato uma grotesca amplificação da defesa, tentada pelo próprio Oswald, de seu pai na peça) não deve ser interpretado, porém, como se ele não considerasse Ibsen o supremo poeta dramático, baseando suas crenças nas peças posteriores, a partir de O pato selvagem, e naturalmente não significa que considere Espectros nada senão uma grande tragédia”.
O Capitao Alving, narrador do poema, afirma que acreditou ter sido o pai de dois filhos, um fora e outro dentro do casamento – Regina, uma moça saudável, e Oswald, enfermo congenitamente. Já que o poema, cujo tom oscila entre cômico e sério, é uma paródia das ideias de Ibsen quanto a “espalhar a culpa” e quanto a assim chamada “terrível alusão”, o Capitao Alving, seguindo o rastro desse sentimento de culpa, e tirando proveito da sugestão em Espectros de que o Pastor Manders e a Sra. Alving antes se haviam enamorado, insinua maliciosamente que Manders foi o pai de Oswald, e declara categoricamente que os próprios pecados dele serviram de material para uma obra-prima dramática.
Ellmann afirma que o interesse de Joyce pelo tema do pai devasso lembra tanto seu próprio pai quanto ele mesmo, e que o paralelo poderia ser levado adiante, tendo-se em vista o fato de Joyce ter sido pai de uma criança enferma, Lúcia, e de outra saudável, mas o mesmo Ellmann acrescenta: “... só na alteridade da composição, na estância dramática de seu poema, ele terá se permitido pensar em seus filhos nesses termos. Enquanto Joyce era imanente no Capitão Alving, este era outra pessoa”.
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